Esfolando o pneu — ou, rito de passagem, estilo capoeira angola - e, o oposto de destruição é criação
No qual percebo que o ato de criação é um ato de sobrevivência e resistência, depois de passar o dia trabalhando na fabricação de um componente do berimbau, o instrumento musical característico da capoeira.

Traduzido do inglês usando uma combinação de DeepL, Google Translate, minha própria compreensão do português (as vezes por meio do francês!) e a ajuda do Mestre Budião. Ainda estou aprendendo o idioma e assumo a responsabilidade por quaisquer erros.
As pessoas que apreenderam o poder nos EUA foram mais do que fiéis à sua ameaça de "inundar a zona", semeando caos, crueldade e ódio alucinante por ordem executiva, empenhados em infligir destruição e morte tão efetivamente quanto os recentes incêndios de Los Angeles destruíram comunidades inteiras como se fosse uma bomba nuclear. Tudo isso enquanto 99% do partido de "oposição" tropeçou impotentemente, colaborou e desistiu, agarrando-se ao culto do civico, normas e à crença alucinante de que "tudo está e voltará ao normal nas próximas eleições".
Muitos de nós estamos remando febrilmente contra essas duas correntes, tentando permanecer centrados, tentando nos proteger do cinismo e do niilismo e tentando descobrir o que significa "resistir" hoje.
Tenho me debatido com o fato de que atualmente estou no Brasil, o que significa que não há muito com o que eu possa contribuir de forma prática em Los Angeles.
No entanto, depois de participar de um workshop da Mariame Kaba sobre ativismo, liderado por Shannon Downey - autora de “Let's Move the Needle An Activism Handbook for Artists, Crafters, Creatives, and Makers” (“Vamos mover a agulha. Um manual de ativismo para artistas, artesãos, criativos e fabricantes”) — percebi que, sim, claro, há algo significativo que eu posso fazer.
O oposto da destruição é a criação
Quando fascistas estão determinados a destruir, o ato de criação é um ato de sobrevivência. É um imperativo moral. Eles estão tentando matar nossos espíritos (assim como nossos corpos — a eugenia está em ascensão), o planeta e tudo o que há entre eles.
Para combater os profanadores, devemos criar coisas bonitas — mesmo que sejam bonitas apenas para nós — e segurá-las em nossas mãos, nossos corações e nossas almas. E devemos compartilhá-las. Devemos compartilhar o que criamos e por que os criamos. Precisamos inspirar uns aos outros. Devemos nos manter vivos uns aos outros.
Senti como isso afirma a alma depois de passar o dia trabalhando recentemente na fabricação de um componente do berimbau, o instrumento musical característico da capoeira, e refletindo sobre o quanto sempre amei criar coisas com minhas mãos.

Eu tinha feito a maior parte de um Berimbau duas vezes antes
Eu já havia feito um berimbau duas vezes. Ou, para ser exato, fiz a maioria das muitas partes de um berimbau. Mas até a semana passada, nunca havia extraído o arame. Isso sempre me pareceu tão impossível e tão intimidador.
Na primeira oficina de fabricação de berimbau de que participei, lá nos primórdios de meu tempo na Capoeira Angola, trabalhamos com biriba - a madeira clássica usada nos berimbaus e que dá nome a eles - que havia sido enviada do Brasil para Los Angeles. Minha lembrança mais vívida, porém, é a de tecer nossos caxixis do zero.
Percepções inspiradas no Caxixi — um pequeno desvio
Ah, o caxixi! Estou ansiosa para fazer um de novo. Ainda consigo sentir a emoção de ver aquele pequeno e requintado instrumento de percussão vai naçendo dos meus dedos enquanto eles agarravam e entrelaçavam os tentáculos molhados de gramíneas longas para formá-lo. Ainda consigo sentir minha reverência com a engenhosidade e sabedoria imemoriais: molhar as gramíneas secas as torna maleáveis para tecer e, com um benefício adicional, suaviza suas bordas afiadas, reduzindo assim o risco de cortes dolorosos.
E essas gramas, é claro, me transportaram de volta ao meu amado “veld”, a savana de Mpumalanga que — quando eu caminhava por ela quando criança, com meu olhar atento para mambas, víboras e outros perigos — era conhecida como Transvaal Oriental durante o regime do apartheid na África do Sul. (A propósito, eu não estava sozinha nessas caminhadas. Sempre havia pelo menos um adulto com antiveneno e um rifle, só por precaução.)

De repente, todas essas décadas depois, os pontos se conectam enquanto eu recuo com todo o meu corpo lembrando dos meus parentes racistas e misóginos que vomitavam, como um fluxo implacável de magma, seu ódio e desprezo pela cestaria, entre todas as coisas.
O desdém extremo que eles tinham por essa forma de arte tão criativa, útil e duradoura (cujas origens podem ser rastreadas até o Neolítico Pré-Cerâmica), tem gosto e cheiro exatamente como a masculinidade tóxica anti-Ciências Humanas (e anti-Humanidade) dos fascistas atualmente em fúria nos Estados Unidos e em outros lugares. Tudo isso me parece ser mais um exemplo de como o racismo, o colonialismo, a ideologia de dominação, a loucura da extração, a industrialização, a tecnoidolatria, o patriarcado, etc. bagunçaram bem e verdadeiramente o mundo em que vivemos.
E é exatamente por isso que estou escrevendo sobre como fazer um berimbau. Que na verdade é sobre a Capoeira Angola, cuja sabedoria ancestral e fundamental tem muito a nos ensinar.
Meu Segundo Berimbau
Em julho passado, aqui em São Paulo, fiz novamente um berimbau. Dessa vez, quando selecionei a verga do feixe de varas de conduru e biriba que Mestre Budião havia colhido na ilha de Itaparica, foi com muito mais confiança do que eu tinha naquela época em Los Angeles. Eu simplesmente sabia qual pedaço de biriba estava me chamando. Algo em mim havia amadurecido. Eu estava Aberta às Mensagens.

Desta vez aprendi a esfolar a vara.

Dessa vez, refinei o pé, lixando-o e polindo-o de acordo com o padrão que desenvolvi em minha prática de cerâmica, conforme a exortação de Biliana Popova, minha mais importante professora de cerâmica, de deixar a parte inferior de cada peça tão lisa quanto o bumbum de um bebê.

E o arame? Bem, há alguns meses, cortar o pneu? Isso ainda era muito assustador.
Pneu e Arame
Sou uma mulher bem adulta. Vim para o Brasil conhecendo apenas uma pessoa e um português rudimentar e autodidata. Consegui superar tantas coisas malucas da vida, inclusive vários cânceres. E ainda assim, todos esses anos, na ideia de enfrentar o pneu, sempre me senti como uma garotinha. Não aquela garotinha que caminhava pela savana. Mas a garotinha desprotegida abusada por membros de sua família. Será que quando considerar a ideia do pneu, alguma coisa em mim imaginei que eu faria besteira e ser repreendida, humilhada ou pior? Pode ser que eu inconscientemente confundi o pneu grande, sujo e incômodo da minha imaginação com o carro inteiro ao qual ele pertenceu e pensei que ele batesse em mim e me atropelasse?
Na semana passada, porém, quando a oportunidade se apresentou, respondi imediatamente com um SIM de todo o coração! Sem trepidação, sem medo, apenas curiosidade e entusiasmo. Eu estava pronta. E isso foi antes de saber que eu trabalharia com um pneu de moto, tão pequeno e leve que evocava um brinquedo.

Algo em mim havia mudado ainda mais. Por um lado, é a fúria — minha fúria pela violação de nossa humanidade por esses oligarcas — é a Injúria Moral. E, por outro, são as mensagens claras que eu continuava me abrindo para receber. Da nossa Capoeira Mãe, do Universo e talvez até, ouso dizer, dos Orixás. Que fui trazida aqui ao Brasil para isso. E está na hora de eu compartilhar mais ativamente sobre isso.
A capoeira nutre a sobrevivência e cultiva a humanidade — assim como nós devemos fazer.
Como me foi ensinada, e como eu a entendo, a capoeira é resistência. Ela incorpora a Resistência à Opressão. Como escrevi anteriormente:
"A capoeira angola é interdisciplinar, holística, multifacetada, complexa. É uma dança-luta-jogo-mas-não-realmente-uma-luta-mas-poderia-ser-uma-luta. É uma prática de arte-social-intelectual-sabedoria-vida-espiritual-comunidade-educacional-política-curativa. É ritual. Ela nutre a sobrevivência. É brincadeira. Ela facilita a liberação. É sustento. Ela cultiva a humanidade”.
E uma maneira de nutrir a sobrevivência e cultivar a humanidade é crear coisas, fazer as coisas que precisamos. Você sempre pode ir comprar um berimbau. Mas fazer um? Isso requer algum esforço.
Você sempre pode ir comprar um fio de piano se precisar de outro arame. Mas extrair o arame do pneu? Isso requer um trabalho sério: Primeiro, você faz um corte no pneu e usa a lâmina até sentir que ele se conecta ao fio de aço. E então, como você verá no vídeo abaixo, você o serra enquanto mantém essa conexão (mais fácil falar do que fazer, e eu fiz um trabalho menos que perfeito, mas continuei, determinada a prevalecer) e puxando com força a borracha enquanto a libera.
Vídeo me mostrando cortando a borracha de um pneu de moto para extrair o fio para o arame. Filmado por Mestre Budião, fevereiro de 2025
Depois vem a parte divertida: ficar em pé sobre o pneu e puxar o arame até o fim (veja o vídeo abaixo)!
Vídeo me mostrando puxando o fio do pneu. Filmado por Mestre Budião, Fevereiro de 2025
Estou ansiosa para concluir em breve o trabalho com esse arame. Vou limpá-lo de todos os restos de borracha, cortá-lo no comprimento adequado para o berimbau, lixar o arame para polir ainda mais, criar laços em cada extremidade... Esse lado do pneu de moto rendeu o suficiente para pelo menos berimbaus. Haverá alguns para mim e outros para compartilhar, para que possamos continuar a fazer belas músicas de capoeira em comunidade.
Para concluir
Refletindo sobre minha tarde com o pneu, fui tomada por uma profunda e tranquila sensação de orgulho e realização. Parece que passei por um importante rito de passagem: Agora sou uma Angoleira que sabe como empunhar uma faca num pneu.
Toda vez que fazemos algo, exercitamos nossa competência. Mas isso não é o suficiente. Agora, mais do que nunca, sei que temos de nos lembrar de fazer uma pausa e reconhecer cada conquista. É assim que construímos confiança, é assim que alimentamos nossa coragem tão necessária, é assim que sabemos que nossas vidas importam. E se pudéssemos apenas canalizar a criancinha que pula para cima e para baixo exclamando "Eu fiz isso!", teríamos uma dose de alegria vertiginosa que afirma a vida.
Escrever este post também me lembrou o quanto eu sempre amei experimentar e fazer coisas. Percebi que tinha esboços que poderia usar para ilustrá-lo, bem como escritos anteriores para compartilhar, como abaixo.
Para concluir, a boa notícia é que, quando combatendo o pensamento apocalíptico e a destruição, sempre há mais a aprender e mais a fazer. Com isso, me vem à mente este trecho de uma história que escrevi durante o workshop de redação de verão de 2022 do SmokeLong Quarterly:
“Faça coisas com amor e cuidado. Toque e honre a terra. Continue em frente. Essa é a verdade.”
Que possamos nos manter fiéis ao nosso coração e à nossa alma. Que possamos nos manter fiéis aos nossos valores. Que possamos nos elevar e apoiar uns aos outros em conexão e comunidade. Que possamos fazer as coisas com amor e cuidado. Que possamos tocar e honrar a terra. Que possamos seguir em frente.
Axé